segunda-feira, 3 de outubro de 2011


A praça na capa


Ontem, a Revista São Paulo do jornal Folha de S.Paulo, teve como matéria de capa a Praça Roosevelt.



Moradores, comerciantes e freqüentadores, todas as figuras da praça conversaram com a jornalista Natália Zonta sobre o passado dessa região e o que se espera com a reforma. O parlapatão Hugo Possolo também concedeu uma entrevista para a matéria.


Leia a reportagem na íntegra.


A praça é nova
Ainda envolta em tapumes, obra milionária na Roosevelt já causa impactos na vida de moradores e comerciantes
NATÁLIA ZONTA

Filipe Redondo/Folhapress

Operário caminha sobre a antiga estrutura da praça

No fim da tarde, o entra e sai de caminhões termina e as calçadas da praça Roosevelt, no centro, começam a ficar cheias. O "happy hour" no boteco La Barca reúne engravatados, jovens atores e um travesti. Comum nos dias de hoje, essa cena era rara em 2000, quando o primeiro teatro chegou ao endereço para disputar espaço com traficantes e prostitutas. Vivendo mais altos do que baixos desde então, a praça está prestes a mudar novamente.

Há quase um ano, a prefeitura está reformando o local, com um orçamento de R$ 38,6 milhões (85% serão fornecidos pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento). A grande estrutura de concreto apelidada de "pentágono" já foi demolida, e, mesmo envolta em tapumes, a obra, prevista para acabar em agosto de 2012, já provoca efeitos na vizinhança.

Um dos primeiros a sentir o impacto foi Gualberto Costa, dono da livraria HQ Mix. Por causa do aumento do aluguel, de R$ 1.700 para R$ 4.000, ele se prepara para deixar o ponto em novembro. "É um preço que não posso pagar. Estou de mudança e procuro espaços na Vila Madalena", diz.

O dono do imóvel foi um dos primeiros moradores a apostar na região. "Quando cheguei, há 14 anos, tudo era muito barato e me achavam excêntrico por viver aqui. Havia venda de crack e eu tinha medo de dormir próximo à janela, já que vivo em um andar baixo", afirma o funcionário público Fábio de Siqueira Branco, 57.

Em 2004, quando a HQ Mix abriu, ele diz ter alugado o local por um valor mais baixo para ajudar Gualberto. "Hoje, tenho de cobrar um preço mais real. Era uma situação válida quando não tinha interessados. Agora, há."

A disputa por imóvel atinge a vizinhança. No mês passado, a Brookfield lançou na rua Augusta, onde até 2009 estava o hotel Ca'd'Oro, um complexo com duas torres que vão abrigar 375 apartamentos, 387 salas comercias e um hotel. Tudo foi vendido em quatro dias por a partir de R$ 9.000 o metro quadrado. O valor médio em Pinheiros, segundo a Empresa Brasileira de Estudos do Patrimônio, é de R$ 9.520,93.

Até quem passou por maus bocados pensa em voltar. É o caso do salão Jacques Janine, que funcionava ali na década de 1990. "Chegou uma hora em que os clientes não queriam ir até a praça. Agora, temos uma linha popular e penso em abrir uma unidade ali", diz Thony Rodrigues, sócio-proprietário da nova marca, a Basic Beauty.

Toda essa movimentação, segundo Valter Caldana, diretor da Faculdade de Arquitetura do Mackenzie, tende a melhorar a região. "São Paulo vai ganhar uma praça em um lugar estratégico que irá agregar pessoas. Isso reforça o fato de que grandes intervenções são necessárias para mudar a região central."

Os teatros, no entanto, temem que a obra eleve demais os aluguéis. Dos sete que estão na praça, o grupo Parlapatões, que no ano passado atraiu uma plateia de 30 mil pessoas, é o único proprietário do imóvel que ocupa.

A Ação Local da Roosevelt, entidade que une moradores e comerciantes, analisa uma maneira de impedir a debandada dos artistas. "A beleza dessa praça é a boemia", diz Luis Cuza, presidente da organização.


Novas questões
O processo de revitalização trouxe novas questões também para a igreja da Consolação. Apesar da sensação de segurança entre os moradores, a igreja está sofrendo com furtos. No mês passado, o para-raios foi levado, um dos vitrais, quebrado, e até um botijão sumiu. "A visibilidade é pouca com os tapumes. Os seguranças da obra não dão conta de vigiar toda a praça", se queixa o padre José Roberto Pereira.

A igreja contratou um segurança e colocou um rottweiler nos fundos. A Secretaria Municipal de Infraestrutura e Obras afirma que dez guardas particulares fazem a segurança da praça. E a Polícia Militar diz que há policiamento 24 horas, duas câmeras e que, nos últimos três meses, não houve nenhuma ocorrência na Roosevelt.

As novidades dividem a opinião dos moradores. A psicóloga Martina Rillo Otero, 35, que há seis anos vive ali, anseia pela área verde para passear com os filhos. "Nosso único espaço de lazer é o térreo do Copan, sem nenhum verde. A praça vai integrar mais. Será um local de convivência, não apenas de passagem", diz. Há os que veem as intervenções com desconfiança. "Já houve muitos projetos. Agora, eu só acredito vendo. Se não houver zeladoria, a área vai continuar abandonada", afirma a aposentada Bartira Cataldi Rocha, 68, que cresceu na região.

Preocupado com o futuro da Roosevelt, o servidor público João Carlos dos Santos, 55, participa de todas as reuniões entre os moradores e a prefeitura. "Ainda estamos negociando mais benefícios, como a melhoria das calçadas, para acabar com as barreiras que prejudicam o acesso de quem usa cadeira de rodas, como eu." A praça, garante, não será abandonada. "Nós vamos cuidar muito bem dela."


Altos e baixos
A pior fase da região foi entre o fim dos anos 1990 e o início da década seguinte, quando os teatros começaram a se instalar ali. A chegada mais marcante foi a do grupo Os Satyros, em 2000. Antes deles, desde 1997 já funcionava na praça o Studio 184.

"A praça estava destruída. A rotina com os traficantes era muito difícil. Eles quebravam as luzes das calçadas e ninguém queria passar por aqui", conta Rodolfo García Vázquez, um dos fundadores do grupo. "O primeiro período foi heroico. Ninguém que frequentava a região aceitava a gente."

Para Rodolfo, a virada ocorreu entre 2003 e 2005. "Foi uma época louca. Era uma mistura de todos os tipos de público, os espetáculos começaram a fazer sucesso. Em 2005, recebemos a última ameaça de traficantes." Nesse período, a região foi descoberta pela dramaturga Dea Loher, que levou aos palcos do Brasil e da Europa a peça "A Vida na Praça Roosevelt", na qual ela contava histórias de figuras típicas dali, como travestis e policiais.

Desde então, a vida cultural passou a atrair a atenção do poder público, do mercado imobiliário e dos vizinhos. "A gente revitaliza e depois o aluguel dispara. Também há pressão de alguns moradores para que as salas deixem o endereço", afirma Hugo Possolo, do Parlapatões.

O barulho e a movimentação até altas horas são as principais reclamações de quem vive nos prédios. "Algumas pessoas esquecem que há gente nos andares de cima. Esperamos que o bom-senso predomine e se chegue a um meio termo. Tenho janela antirruído e, mesmo assim, muitas vezes ainda escuto o barulho", diz Fábio de Siqueira Branco.


Gente das antigas
A vocação boêmia não é novidade. Nos anos 1960, a praça abrigava boates por onde circulavam artistas. No bar Papo, Pinga e Petisco, o famoso PPP, há 15 anos ali, Esdras Vassalo, 78, orgulha-se de o imóvel fazer parte do passado da Roosevelt. "Elis Regina fez seu primeiro show em São Paulo neste salão. Era a década de 1960 e aqui funcionava a boate Djalma's."

"A Roosevelt era uma comunidade. Na ditadura, fizemos daqui o nosso reduto. Todas as pessoas ligadas à arte vinham aqui. Com a construção da praça, em 1970, a região foi decaindo", lembra Dulce Muniz, 64, atriz e diretora do teatro Studio 184.

Nessa época, a travesti cubana Phedra D. Córdoba, 72, já era um rosto conhecido. Desde 2000 nos Satyros, ela fez sua primeira visita à praça nos anos 1950. "Tinha cafés, agito, parecia a Europa." Durante a conversa em frente ao La Barca são poucos os momentos em que Phedra não é interrompida por alguém.

O mesmo ocorre com o dramaturgo Mário Bortolotto, 49, que, em 2009, levou três tiros durante um assalto ao bar do Espaço Parlapatões. Quando se recuperou, voltou a frequentar os mesmos bares e teatros. "A minha maior contribuição não foram as peças. Foi trazer gente de outras áreas para cá." Sem traumas do passado, ele, assim como as outras figuras do entorno, espera uma nova vida na praça Roosevelt.


6 décadas de Roosevelt
1950
Depois de desapropriações, surge uma área livre atrás da igreja da Consolação. O espaço vira um estacionamento para 700 carros. O teatro Cultura Artística é aberto

1960
A região onde depois seria construída a praça vive sua fase áurea. São inaugurados cinemas de arte, como o Bijou, e boates frequentadas por artistas

1970
Com pouco do que previa o projeto original, a praça é inaugurada em 25 de janeiro com o nome de Franklin Roosevelt

1971
O elevado Costa e Silva, o Minhocão, é inaugurado em 25 de janeiro. As críticas à praça começam a aparecer

1980
O perfil da praça começa a mudar e muitas das casas de show deixam o endereço. A região é descoberta pelos skatistas

1997
O Studio 184 abre as portas em fevereiro. A prefeitura anuncia a demolição da praça no ano seguinte

2000
É anunciada uma nova obra que promete demolir a estrutura chamada de "pentágono". A companhia Os Satyros abre um teatro na praça, em 1o de dezembro

2005
Os Satyros abrem seu segundo espaço na praça. A Emurb apresenta um projeto preliminar de revitalização da Roosevelt

2006
Os Parlapatões inauguram a sua sede na Roosevelt, em 11 de setembro

2008
A prefeitura anuncia que até o fim daquele ano começaria a reforma na praça. O teatro Cultura Artística é destruído por um incêndio em 17 de agosto

2009
Em dezembro, o dramaturgo Mário Bortolotto leva três tiros durante um assalto ao bar do Espaço
Parlapatões


2010
Em outubro, começa a reforma na praça


a reforma
Veja como a praça vai ficar com a obra, prevista para acabar em 2012

- Um batalhão da Polícia Militar

- 223 árvores (37 tiveram de ser removidas temporariamente para a reforma e 48 novas mudas serão plantadas)

- Duas floriculturas

- Um "cachorródromo"

- A igreja da Consolação também planeja construir dentro de sua área um espaço de convivência, com aparelhos de ginástica e brinquedos para crianças

- Um posto da Guarda Civil Metropolitana


o subsolo
Embaixo da praça haverá um estacionamento com 556 vagas distribuídas em dois andares. Um elevador será instalado para facilitar o acesso


as mudanças no entorno

- Os imóveis desta esquina devem ser demolidos (um deles é a boate Kilt) para construção de uma rotatória que vai facilitar o acesso ao teatro Cultura Artística e ao estacionamento da praça. Por conta desse projeto, foi criada uma nova entrada do teatro, ainda sem data para reabrir

- A Escola Estadual Caetano de Campos já está sendo restaurada. O investimento é de R$ 3 milhões

- Dois edifícios da rua João Guimarães Rosa devem ser recuperados. Uma das possibilidades é a volta da EMEI Patrícia Galvão, que ocupava parte das estruturas demolidas

- Os imóveis dessa esquina estão sendo desapropriados. A ideia é derrubá-los para integrar o prédio do Instituto Clemente Ferreira à praça

- As calçadas da rua Nestor Pestana devem ser alargadas. Estima-se que todas as mudanças viárias custem R$ 17 milhões**

Fontes: Ação Local da Roosevelt, Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano, Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, Secretaria Municipal de Educação e Secretaria Municipal de Infraestrutura Urbana e Obras
** Valor não inclui os custos das desapropriações


25.100 m²
é o tamanho da praça

R$ 38,6 milhões
é quanto vai custar o projeto

10.600 m³
é a quantidade de entulho que foi reciclado para virar base para o asfalto da cidade

os vizinhos
7 teatros
6 bares
1 livraria
2 salões de beleza
12 prédios residenciais
3 prédios comerciais (um deles vazio)
1 igreja
1 escola
1 "pet shop"
1 mercado
1 minimercado
1 armarinho
1 autoescola
1 papelaria
1 chaveiro
2.000 pessoas em 825 apartamentos


a capa
A ilustração da capa foi feita, a pedido da sãopaulo, pelo quadrinista Rafael Coutinho, 31. "Busquei mostrar esse sujeito paulistano que participa das mudanças da metrópole com um olhar desconfiado", explica ele, que frequenta na praça a livraria HQ Mix e os teatros.

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