terça-feira, 4 de outubro de 2011


Parlapatão escreve sobre meia-entrada

Na coluna Tendências/Debates do jornal Folha de S.Paulo de hoje, saiu um texto do parlapatão Hugo Possolo.

Leia matéria na íntegra.


Falta subsídio a quem dá meia-entrada
HUGO POSSOLO

Sou a favor da meia-entrada. Estudantes e idosos têm esse direito garantido por lei. A Fifa não quer meia-entrada na Copa de 2014, e a presidente Dilma afirma que não pode mudar a lei.

Já eu, em minha peça teatral, faço uma promoção na qual aceito carteirinha falsificada para compra de meia-entrada. Afinal, o jeitinho brasileiro é socialmente tão aceitável no varejo quanto no atacado. Há quem critique a corrupção no país e, ao mesmo tempo, use uma carteirinha falsificada para entrar no teatro.

Muitos produtores culturais não entram na discussão sobre meia-entrada, tanto por reconhecerem o valor histórico da conquista dos estudantes quanto para evitarem adotar uma postura antipática perante seu público.

A meia-entrada é uma obrigação para qualquer empreendimento cultural ou esportivo que faça cobrança de ingressos, mas os realizadores nunca puderam dispor de qualquer política de subsídio.

Menos complicado é trabalhar com preços mais elevados para o ingresso inteiro, compensando a receita final em suas bilheterias. Já que a lei obriga à oferta da meia-entrada, quem paga a conta é o promotor do evento -que, na realidade, repassa o custo ao público. Lógica perversa, que "inflaciona" todos os ingressos.

Qualquer setor produtivo que sofra interferência direta do governo recebe incentivos por conta disso. O preço do pão é tabelado pelo governo, porque a produção de trigo é subsidiada. O papel usado para livros didáticos é mais barato porque o governo lhe retira os impostos, para que o custo final do livro para o estudante seja menor.

Há uma lógica clara. Se o governo interfere no livre mercado, oferece contrapartidas para quem quer empreender em um negócio regulado. Especialmente se esse negócio atende a necessidades de Estado, em áreas que são prioridade, como é o caso da educação.

Por que com a cultura não se dá o mesmo? Provavelmente porque os governos não acreditam que cultura seja uma prioridade de Estado. Muito se debate o apoio às artes, mas o maior interessado, que é o público, a população que paga tantos impostos, tem ficado de fora da discussão e do esboço de políticas públicas.

Arte e cultura têm que ser mais baratos e acessíveis a todos os brasileiros. O que só ocorrerá se o governo injetar mais recursos na área. Caso contrário, o crescimento econômico que sustenta a condição de emergente do Brasil gestará, em se tratando de cultura, um novo-rico a um só tempo ignorante, inculto e mal-educado.

Espero que a presidenta Dilma mantenha a determinação de não alterar a lei brasileira por causa de uma Copa do Mundo. Porém, sei também que, assim como as carteirinhas falsificadas são aceitas, as leis se moldam às necessidades, como aconteceu com a lei sobre licitações no que diz respeito à infraestrutura, aos aeroportos e à construção de estádios.

Quero ver no que vai dar. Quem sabe um dia eu possa fazer minhas peças sem ter que inventar promoções que atestem a nossa incapacidade de nos livrarmos do tal jeitinho brasileiro.

Um comentário:

Pandorf disse...

Hugo, essa sua promoção da "carteirinha falsificada" já gerou reações do tipo "nossa, ele aceita a falsificada? Fico com vergonha, vou pagar inteira"?
Me ocorreu algo do tipo declarar o preço total do show e cobrar ingressos mais baratos, só que sem as meia entradas. Aí todo mundo paga menos, e teoricamente, todo mundo fica feliz...