sexta-feira, 14 de agosto de 2009




Dramaturgia OnLine

Veja a abaixo a entrevista feita pela Paula Chagas do Dramaturgia Contemporânea com Hugo Possolo. Esse novo site tem banco de textos e entrevistas com vários dramaturgos contemporâneos. A partir de hoje o link dele está nos blogs amigos. Em breve indicaremos sites e blogs em separado para facilitar a pesquisa.

Quem quiser conhecer o Dramaturgia Contemporânea clique aqui.

O riso político

Formado em jornalismo e tendo feito parte da faculdade de história, Hugo Possolo é, antes de tudo, um palhaço. Desde que descobriu sua vocação no Circo Escola Picadeiro preenche as fichas de hotel com essa profissão. A identificação é tão grande que ele até esquece que é um dos dramaturgos de sua geração com mais peças, entre infantis e adultas: cerca de quarenta escritas e mais de trinta encenadas. Além disso, atua, dirige e é fundador de um dos mais longevos e bem sucedidos grupos de teatro do país: o Parlapatões, Patifes e Paspalhões. Ciente de seu ofício desde criança, teve apenas um trabalho fora do teatro, como designer gráfico da Revista do Unibanco. “Todos iam de terno, era a fase do new wave e eu ia com roupas coloridas. Não fiquei nem um ano”, conta. Logo chegou ao trabalho com que sempre sonhou: passar o chapéu na rua. “Demorei até ter coragem, mas vivi disso um tempão”, diz.

Nesse mês o grupo comemora seus dezoito anos com a estréia da peça O Papa e a Bruxa, do italiano Dario Fo e soma prêmios, um circo (o Roda Brasil, em parceria com o grupo Pia Fraus) um escritório e uma sede com um teatro e um bar, na Praça Roosevelt. Ao lado dos Satyros ajudaram a redefinir a paisagem do local. Quarto de cinco filhos, nasceu em Vitória/ ES, por conta do trabalho de seu pai, editor de livros pedagógicos. Com seis meses de idade veio para São Paulo, onde sempre morou perto da Avenida Paulista. Falante, articulado, apaixonado por seu ofício, Possolo ficou em dúvida sobre o local onde nos receberia. “Escrevo nas viagens e no escritório, nunca em casa”, garante. Conversamos em seu escritório no bairro de Pinheiros, local cheio de figurinos, livros e prêmios pelas estantes.

Por Paula Chagas Autran
Fotos Lina Lopes (para visualizar as fotos clique aqui)

Você é palhaço, ator, diretor e dramaturgo. Qual dessas habilidades veio primeiro?
Desde a infância queria ser autor teatral. Fiz teatro na escola e depois entrei no TIMOL, grupo de teatro infantil da Biblioteca Monteiro Lobato. Lá montei um espetáculo chamado Os Palhaços e fiz um mergulho tão profundo nesse universo que não voltei mais à tona. Depois fui para o Circo Escola Picadeiro, onde fiz formação de palhaço e trapezista durante cinco anos. E um divisor de águas foi a apresentação do Le Grand Magic Cirque do Jerome Savary. Tinha linguagem circense e um humor muito crítico. Na mesma época vi as peças dos grupos Ornitorrinco, Pó de Minoga e Asdrúbal Trouxe O Trombone, que misturavam circo, rock e política, entendi que o humor tem função social e decidi formar um grupo para pesquisar essa linguagem e montar meus textos. Formei uma dupla de palhaços com o Jairo Mattos. Fazíamos intervenções na rua. Não montamos o grupo, mas ficou esse espírito.

De que jeito as duas faculdades que você cursou, história e jornalismo, o auxiliaram na sua carreira teatral?
A faculdade de história, que eu não concluí, foi a base de muitas pesquisas e na de jornalismo, na Cásper Líbero, militei no movimento estudantil, me filiei ao PC do B, mas sempre permaneci ligado à arte. A gente usava performances e intervenções teatrais nos protestos políticos. Eram os anos oitenta, início da abertura política do país, que foi também cultural e social. A cidade de São Paulo mudou nessa época. Até então não existiam bares com mesas nas calçadas. Só as boates fechadas. Aí começou a abrir cafés na região do Bixiga e a surgir os “barzinhos”. Esse momento foi de muita efervescência musical também. Era a época do Lira Paulistana, com o Grupo Rumo, Língua de Trapo e Premê. E a explosão do rock brasileiro. A faculdade estava inserida nesse contexto artístico. Na época fiz livros de poesia em Xerox e consegui passar o carnaval em Salvador. Ia de bar em bar na cara dura, vendendo os livrinhos.

Essa “cara de pau” tem a ver com o teatro de rua, não?
Eu demorei para ter coragem de passar o chapéu na rua. Antes fiz teatro infantil em escola, aí aquilo foi me incomodando, pois as crianças iam para o teatro sem uma preparação para entender aquele universo. Tem trabalhos legais nessa área, mas o que eu via eram aquelas bobagens: faça um desenho da peça. Mas me sustentei com isso de uma maneira digna e com boa crítica. Mas eu queria retomar o espírito do picadeiro, e o único lugar onde tinha isso era a rua. Nessa época me separei, veio o Plano Collor, e eu me vi sem grana, sem ligação com ninguém e decidi finalmente me apresentar na rua. Fui umas dez vezes antes de conseguir passar o chapéu, que chegou a pagar meu aluguel e meu rango. Aí convidei alguns amigos para ir comigo: o Alê Roit, o Jairo Mattos, o Arthur Leopoldo Silva e o Marcos Loureiro que ajudava a carregar as coisas. E foi daí que surgiu Os Parlapatões.

Como foi a passagem desses números de rua para as peças?
O grupo começou com Aqui Ninguém é Patão, Não! (que virou Bem Debaixo do Seu Nariz) e Nada de Novo (até hoje no repertório). A terceira peça foi Parlapatões, Patifes e Paspalhões, que não fez muito sucesso, mas acabou virando nosso nome por insistência do Jairo Mattos, que em seguida saiu do grupo. Chamamos o Raul Barreto, como ator convidado, e o grupo o engoliu. Todas eram junções de números de circo e de palhaço. A peça que deu visibilidade ao grupo foi Sardanapalo, nossa quarta montagem, que foi feita pensando no que cada um fazia melhor. O Shakespeare fazia isso, se ele tinha um ator cômico, escrevia uma cena para o cara pôr a comicidade dele. Ele tinha um ator com o dom para fazer o personagem Falstaff, e pôs esse personagem em várias peças por causa do ator. Não o contrário. Essa é uma dramaturgia não só do papel, mas da relação direta com o ator. Eu não gosto do termo processo colaborativo, inventado na década de 90 pela Folha e “comprado” por todo mundo. Todo processo é colaborativo.

A partir daí você passou a escrever peças para o grupo?
É. Nesse processo foram importantes as oficinas de dramaturgia com Zeca Capellini, Cláudia Dalla Verde e Luís Alberto de Abreu, minha grande referência em dramaturgia. Com ele estudei mitologia e história gregas, que inspiraram peças como Sardanapalo, que ficou dois anos em cartaz. Em seguida vieram os espetáculos de rua Zerói e U Fabuliô, que deram forma ao grupo. Até hoje no palco italiano nos comportamos como na rua: recebemos o público na porta, chamamos para participar. E nesse processo descobri meu pendor para a comédia. Eu nunca me achei engraçado, mas era muito tímido e as pessoas riam de mim e diziam: você é um palhaço. Entrei na escola de circo por isso também. Lá aprendi o saber popular e seus recursos técnicos: o tempo da piada, a gag física, que eu fazia intuitivamente, sem entender a estrutura. E me encontrei com a minha vocação. O dramaturgo vem depois do palhaço.

Porque um grupo que começou na rua e que trabalha com circo decidiu há quatro anos ter um espaço próprio?
Em 2000 fomos convidados pelo Fauzi Arap para fazer residência no TBC. Ficamos dois anos lá e a nossa produção dialogou melhor com a cidade, com outros artistas e aumentou o espaço da pesquisa. A partir daí a gente entendeu que teatro é disputa por espaço de pensamento, e que a dramaturgia é a estratégia tática dessa disputa. E ou você disputa esse espaço ou se submete ao pensamento hegemônico. Por conta desse conhecimento decidimos intervir também espacialmente na cidade. Paralelamente a isso recebemos patrocínio da Brasil Telecon e da Petrobrás e passamos dois anos viajando pelo Brasil com peças e circo. O Fomento também foi essencial para conseguirmos manter a nossa sede, além da ajuda inesperada do Luís Frugoli, que projetou o teatro, sem a qual não teríamos aberto. Inauguramos o teatro e em três semanas as peças e o bar já estavam cheios e uma coisa foi bancando a outra.

Como vê a “polêmica” de que a “balada” teria engolido o teatro na Praça Roosevelt ?
Isso é uma grande bobagem. É só mostrar os números. No nosso teatro mensalmente entram em média três mil pessoas. No bar são 800 pessoas. Sexta e sábado o bar é cheio, nos outros dias não. Em grana: o bar começou dando 60% e o teatro, 40%. Hoje inverteu. No teatro há sete pessoas trabalhando, sem contar o grupo. E no bar três. Então, qual a prioridade? Mas isso nem me incomoda, pois fomos para a Roosevelt porque vimos ali um ponto de encontro de artistas que São Paulo não tinha mais. Não é que se vá buscar emprego no bar, mas o convívio entre artistas oxigena a produção e quebra preconceitos. O fator de mudança não tem a ver só com o espetáculo, mas com a vivência social, iniciada com as Satyrianas, evento dos Satyros que põe trinta mil pessoas na rua, em torno do teatro. Não tem festival de teatro que junte isso no Brasil. Há outros grupos um pouco enciumados.

O que pensa do discurso recorrente de que há crise na dramaturgia e que nossa tradição é fraca ou inexistente?
Não acho que a dramaturgia brasileira esteja no maior patamar mundial, mas temos alta qualidade. A nossa tradição é a festa, o carnaval. E isso se estende a todas as manifestações populares, extremamente teatrais. Os circos do Brasil e do México são específicos de uma tradição de melodrama e de humor que influencia a radiodifusão e a telenovela. Você pode não gostar da sua tradição e romper com ela, mas só se rompe com o que se conhece. Tradição é importante para a arte, ruim é conservadorismo. Vivemos um momento de grande quantidade de montagens de novos dramaturgos, e acredito que quantidade gera qualidade. Estamos lidando com outros canais de comunicação. A internet nos liberta da opinião dos críticos. E não é um papo rançoso, já ganhei prêmios, mas os novos dramaturgos têm que se comunicar com quem realmente importa: o público.

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