segunda-feira, 2 de maio de 2011


Serpentes no Jardim

O Parlapablog conversou com Alexandre Tenório, diretor do espetáculo A Serpente no Jardim, da Viceral Cia, que estreia no dia 19 de maio no Espaço Parlapatões. Confira a entrevista abaixo e prepare-se para o espetáculo.


Elenco e diretor: Alejandra Sampaio, Alexandre Tenório, Lavínia Pannunzio e Cristina Cavalcanti.

Quais foram as influências para construir essa história recheada de suspense, terror e humor negro?

Eu sempre gostei do humor inglês, da forma como a própria melodia do idioma contribui para tornar o assunto mais grave passível de um sorriso, de uma ironia, de outro sentindo. E o que não falta na cultura bretã são exemplos geniais dessa combinação bizarra entre humor, suspense e terror, que fala diretamente ao nosso intelecto e aos nossos nervos. Onde está o limite entre horror e o riso absurdo de um Macbeth, por exemplo? Desde Shakespeare, e antes até, os fantasmas, os espíritos, o contato com o sobrenatural são uma constante, não só na literatura e na dramaturgia inglesa, mas também no próprio inconsciente cultural da nação. Sobre as influências específicas para es ta montagem, Hitchcock, naturalmente foi uma inspiração fundamental. Especialmente quanto à atenção à construção da interpretação e quanto ao tom cinematográfico da intervenção sonora. Outra obra que também foi importante no nosso processo: O Que Teria Acontecido a Baby Jane, de Robert Aldrich, além da razão óbvia de retratar o tétrico relacionamento entre duas irmãs, é um exemplo perfeito do tênue limite entre “verdade” e estilização, onde o exagero e o ridículo só ajudam a compor a decadência e a inevitabilidade melodramática.

Quem são as misteriosas personagens que se encontram após a morte do pai?

O que estas três mulheres têm em comum, e este é o verdadeiro fantasma sobre o qual Ayckbourn quer falar, é o abuso que elas sofrem ou sofreram, de uma forma ou de outra. Miriam é o resultado de uma vida inteira subjugada, que foi sexualmente molestada pelo pai, e como única remanescente da família, acaba forçada a cuidar deste mesmo pai, cuja relação abusiva se perpetua até o fim de sua vida. Anabel, a irmã, que se manda para a Tasmânia a fim de escapar da opressão do pai, da família desajustada pela morte da mãe e pela presença de uma tia alcoólatra, acaba repetindo o padrão familiar ao se envolver num relacionamento violento que a leva ao alcoolismo e a uma perigosa fragilidade física. Alice, a enfermeira, cuidadora do pai das irmãs, percorre tanto o caminho de quem sofre como o de quem realiza o abuso. Sua atitude sinuosa, às vezes frágil e ingênua, outras perversa e sarcástica é um dos recursos mais atraentes da construção da trama que Ayckbourn elabora.

Como a mistura de gêneros na encenação conduz o público para dentro da trama?

Através de um efeito, creio eu, de perplexidade. Não é raro ouvir das pessoas que não sabiam, se deviam rir (principalmente nos primeiros minutos do espetáculo), ou se deviam encarar como algo muito sério, dado ao caráter expressivo da trama. Acredito que este é um dos recursos que contribuem para fixar o interesse da plateia e, consequentemente, levá-la para dentro da convenção teatral que será fundamental no seu envolvimento com o espetáculo. A história começa a ser contada de forma vigorosa no momento em que sobem as luzes. O enredo vai sendo urdido através de um caminho no qual realismo e melodrama estão muito próximos, seguindo por vias paralelas, constantemente se tocando e se repelindo, buscamos tirar desta justaposição de contrastes mais uma camada de humor.

De que forma Alan Ayckbourn utiliza-se do humor?

O humor, para Ayckbourn é a forma de olhar para as amarguras e desesperanças de seus personagens com profunda simpatia e compaixão. É uma forma de perdoá-los de seus pecados, de torná-los humanos a nossos olhos. Através do humor ele acredita ser possível tocar em assuntos bastante sérios sem jamais perder de vista o papel do teatro como entretenimento, capaz de propor mudanças às vezes bem radicais no nosso olhar da realidade.

Como foi o processo criativo na montagem do espetáculo?

Desde o início do processo confiamos absolutamente no texto e procuramos extrair das palavras tudo que podíamos como forma de conhecer as personagens, suas motivações, seus impulsos, seus desejos e suas cicatrizes. O desenho tridimensional da encenação veio em seguida e surgia e como consequência natural das forças que moviam as personagens, dentro de um jogo mais verdadeiro possível. Por fim, começamos a nos concentrar na limpeza e definição dos traços físicos das interpretações. Temos três personagens bem diferentes entre si e as características individuais de cada uma delas foram se tornando cada vez mais claras, contribuindo para que as composições vocais e físicas fossem se integrando de maneira cada vez mais homogenica.

Quem é a verdadeira serpente em A Serpente no Jardim?

Cada pessoa que assiste ao espetáculo elege quem é a sua “Serpente”. Pra mim, a “Serpente” é o desejo secreto e selvagem, que vive escondido na grama alta do dissimulado bem estar de nossa “moralmente correta” civilização.

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