sexta-feira, 22 de janeiro de 2010



A história do ônibus

Os Parlapatões já são maiores de idade, em 2009 o grupo completou 18 anos. Uma parte da trajetória da companhia está relatada no livro Riso em Cena, do jornalista Valmir Santos. Lançado em 2001, no livro estão fotos e histórias dos primeiros dez anos parlapatônicos.

De todas as histórias contadas no livro, a mais comentada é sobre o ônibus. Para quem não leu, postamos o fato como foi contado pelo Valmir.

“De volta ao início dos anos 90, os palhaços decidem cair na estrada, rodar o país. Pelo menos assim desejam. Certo dia, Arthur Leopoldo e Silva chega com a boa notícia de que um conhecido seu está vendendo um ônibus.

Imediatamente, colocam à venda carro, moto; arriscam suas próprias economias em nome do palco sobre rodas, um palco-mambembe. E conseguem quitar 50% da dívida do ônibus, equivalente na época a cerca de 12 mil dólares.

Para saudar o restante, em notas promissórias, recorrem ao velho truque de oferecer um espetáculo para os amigos e superestimar o valor do ingresso em nome de uma causa que se acredita justa, no caso, o palco ambulante dos Parlapatões. Batem à porta do teatro Bixiga, atual Ágora, no bairro da Bela Vista, pedem-no emprestado ao locatário da vez, o ator Marco Ricca, que o concede por duas noites. A inscrição nos panfletos que distribuem traz algo mais ou menos assim:

‘Pague Cr$ 2.000 ou mais por algo que não cobraríamos nem Cr$ 500. Espetáculo beneficente em benefício próprio’

O ônibus pintado de azul, cuja marca nenhum dos palhaços se recorda, é fabricado em 1965 e tem o vidro do pára-brisa arredondado, item que reforça a condição de relíquia pelos quilômetros rodados.

Alvo da mobilização, o veículo é devidamente estacionado em frente ao teatro e transformado, ele também, em extensão cenográfica do que acontecerá lá dentro. Com boa parte dos assentos arrancados, o ônibus vira galeria para a exposição de fotos Passando a Limpo, ironia materializada em imagens que o grupo colhe de si naqueles poucos meses de existência.

Nas duas noites, amigos comparecem em peso e assistem a Nada de Novo, com os subtítulos de O Que Passou, Passou e Zibaldone, um espetáculo relâmpago de improvisos. Este segundo remete ao nome do caderno de apontamento dos comediantes na Commedia dell´arte, uma espécie de roteiro.

Completada a arrecadação do dinheiro, graças ao evento, Hugo [Possolo] recebe uma ligação de Jairo Mattos. O parceiro do Picadeiro [Circo Escola] sabe da campanha pró-ônibus e diz que já tem no bolso o dinheiro para pagar as promissórias. (....)

E que fim levou o palco-mambembe dos Parlapatões? Eis uma boa candidata à anedota. Ônibus quitado, os proprietários tinham de investir em reforma. Concentrados nos afazeres artísticos e pedagógicos, decidem emprestar o veículo a um serralheiro, aluno deles na Escola Livre de Teatro de Santo André. O acordo era que o sujeito usasse o ônibus e, ao mesmo tempo, empreendesse a reforma necessária. O tempo passou, o sonho do circo sob quatro rodas arrefeceu. Só depois os palhaços tomaram conhecimento de que a primeira grande aquisição patrimonial do grupo jazia há meses no pátio da Prefeitura de Santo André. O serralheiro raramente rodava com o ônibus, deixava-o na rua. A fiscalização guinchou o veículo. O serralheiro não quis dar a malograda notícia aos palhaços, pensou que poderia pagar a multa em breve e devolver o ônibus. Pois nunca fez nem uma coisa, nem outra.

E os Parlapatões até hoje riem entre si por terem perdido um ônibus.”

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