quarta-feira, 2 de dezembro de 2009



Quando Jô Soares era vários gordos

No último sábado, Hugo Possolo escreveu para a Ilustrada (Folha de S.Paulo), sobre o DVD duplo do programa Viva o Gordo. Na década de 80, Jô Soares tinha uma língua muito afiada. Quando a ditadura militar estava chegando ao fim, encabeçava esse programa de humor que não perdoava ninguém. Generais, os fiscais do Sarney, os gays e, sem esquecer da paixão nacional, a seleção canarinho, foram alguns dos muitos temas satirizados pelo gordo.

Para quem não leu o texto, postamos na íntegra.


"Viva o Gordo" traz as sacanagens do bobo da corte dos anos 80
Coletânea reúne esquetes de humorístico de Jô Soares na Globo de 1981 a 1987; rápido e irônico, fixou muitos bordões

Quem assiste ao Jô Soares, hoje, pode achar que ele é apenas um apresentador piadista, de carisma excepcional, que quer falar mais do que seus entrevistados.

Quando a ditadura no Brasil chegava ao fim, a TV aberta era a única opção. Nela, havia o monopólio do império Rede Globo. Na década de 80, o reinado do humor ficou dividido entre dois bobos da corte geniais: Chico Anysio e Jô Soares.

Chico sempre se concentrou mais na construção de personagens. Já o Jô desfilava arquétipos, criações farsescas, aquelas em que o ator salta à frente para emitir sua opinião. Isso lhe permitia apontar diretamente questões sociais e políticas do momento. Aliás, enquanto era difícil confiar na tal abertura democrática, Jô Soares ousava. Sua equipe de redatores e de comediantes talentosíssimos provocava desde a política tupiniquim até o padrão Globo de maquiagem da realidade. Só para sacanear, vale dizer que o Jô só fez personagens gordos. De fato, eram gordos felizes, para além do único tipo de si mesmo que se tornou.

Hábil em prosódias, irônico e rápido nos diálogos, Jô fixou bordões que duram até hoje, mais de duas décadas depois da última versão do "Viva o Gordo", que chega agora em DVD.

Herança
Uma cuidadosa seleção que permite compreender a forte herança do teatro de revista. Cada episódio tem a abertura do primeiro programa do ano e o quadro final do último, fazendo uma síntese do que produziu de 1981 a 1987.

A abertura musical e as piadas do Jô -quando o "stand-up" ainda não tinha esse nome tão metido- contextualizam seu humor pleno e despojado. A exceção é o último episódio, cujo final afobado, sem piadas nem despedidas, é um marco de sua ida para o SBT.

Os programas falam por si, mas a falta de extras empobrece um pouco o pacote. Carece de uma entrevista que permita a comparação daqueles dias com os de hoje.

Sim, porque a TV aberta mudou muito, e para pior. Jô foi esperto em migrar, ainda com humor, para o talk show, em que sua opinião não depende de uma piada. Contraditoriamente, enquadrou-se num formato menos criativo. Sua mudança deixou desafios para humoristas que defendem uma vida inteligente na TV. Afinal, a indústria das celebridades está guiando o humor contemporâneo da TV e a promiscuidade entre provocação política e merchandising iguala grandes sacadas às medíocres pegadinhas.

Os atuais bobos da corte ainda nos devem muito. Principalmente desfrutar a herança do Jô e mostrar que são capazes de fazer personagens, que possam fazer rir e pensar. Uma última coisa: fui entrevistado várias vezes pelo Jô. Da última vez, ele afirmou que tinha medo de palhaço. Aproveito para dizer o que não tive agilidade na hora: Não tenha medo de você mesmo, porque, sem trocadilhos, você é o grande palhaço!

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