quarta-feira, 14 de outubro de 2009


Chacrinha: está com tudo e não está prosa!

No domingo, Hugo Possolo escreveu uma análise para a Folha de S. Paulo (Ilustrada) sobre o documentário Alô, Alô, Terezinha, de Nelson Hoineff, que trata do inesquecível Abelardo Barbosa, o Chacrinha.

Sem nos confundir, nem nos explicar, postamos aqui a íntegra:


Folha de S. Paulo – Ilustrada – 11/10/2009
Chacrinha ainda buzinaria a moça e comandaria a massa?

Será que o deboche livre de culpa e o descaramento sacana do velho guerreiro caberiam no mundo careta de hoje? Existe algum espaço para aquela anarquia?

Quem ousaria dizer que Roberto Carlos é um bosta? Sob o impacto dessa declaração começa "Alô, Alô, Teresinha", documentário de Nelson Hoineff, que entra em cartaz dia 30.

É o ex-calouro Manoel de Jesus quem enche a boca para mostrar que é melhor que o Rei. Mas o pobre canta tão mal que desabamos na gargalhada sem dó. Chacrinha não o exporia a tanto ridículo e apertaria sua buzina antes que ele respirasse para cantar.

O filme deixa o velho guerreiro Abelardo Barbosa e se concentra mais nos que viveram à sua volta: ex-calouros, cantores cuja carreira impulsionou e a vida atual das ex-sensuais e para sempre chacretes. Eram as gostosas in natura, sem silicone, que hoje são simpáticas senhoras, sem o glamour que tinham. Rita Cadillac, dizem, se deu "melhor" em pornôs.

Talvez por falta de imagens de arquivo, trechos em preto e branco do período da TV colorida dão a sensação de incompreensão. Fica no ranço dos perdedores, dos agradecimentos canastrões de antigos ídolos e do envelhecimento das musas do pastoril eletrônico. Coitadas, não foram para o trono e ganharam o troféu abacaxi.

Nu e cru, o filme quebra um pouco a expectativa de quem queria reviver a explosão comunicativa do velho palhaço.

Chacrinha é do tempo em que favela era favela. Não tinha esse eufemismo tolo de dizer comunidade. Não disfarçava o brega, que se assumia em sua plenitude. Apostava na mistura. Elymar Santos usava o mesmo microfone que Caetano Veloso. Raul Seixas ocupava o mesmo picadeiro que Wanderlei Cardoso. Aquilo era a diversidade e não a separação mercadológica da audiência. E não era intenção maquiada de bom mocismo, era a esculhambação pelo prazer da diversão.

O possível herdeiro da pança que balança, Faustão, não se perdeu na noite e fincou o pé nos domingos tornando-os piores que uma enfadonha segunda. Mauricinho de camiseta polo, colocou terno no pagode e casaco de couro no sertanejo. Chacrinha era feira livre e Faustão é shopping center.

Chacrinha promoveu a desmistificação da telinha, revelando e dialogando com os câmeras, fez a balbúrdia permanente sem deixar que organizassem a festa. É nesse contexto que o filme ganha sentido.

Um dos pontos altos são as variadas versões para saber quem é a tal Teresinha do bordão. Nenhum filósofo acharia a solução sobre o que é a verdade sob os trópicos.

Gilberto Gil traz a declaração mais contundente ao falar da crueldade do humor. Mas para o doentio apelo do politicamente correto, deboche e esculhambação, hoje, são deméritos. Qual seria, agora, o espaço para as loucuras desse bardo?

Jogar farinha nas macacas de auditório, apertar o nariz de um calouro, não deixar ele cantar, iriam para o ar?

Será que o deboche livre de culpa e o descaramento sacana do velho guerreiro caberiam no mundo careta de hoje? Os CEOs das grandes indústrias de comunicação têm capacidade de compreender aquela anarquia? Aceitariam o velho palhaço? Ou a ousadia deve, cada vez mais, chegar enlatada e pronta para fácil consumo?

Quem iria querer bacalhau?

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